Justificativa
Há sete anos, lançamos “Perfil do jornalista brasileiro: características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012” (MICK e LIMA, 2013), com os dados resultantes de pesquisa que preencheu uma lacuna no campo de conhecimento do jornalismo no país. Até aquele momento, estimar o tamanho da categoria profissional e evidenciar as características gerais dos jornalistas brasileiros era quase adivinhação.
De lá para cá, na ausência de conselho, ordem ou outro órgão de autorregulação e monitoramento da atividade profissional, as dificuldades para acompanhar as mutações na categoria persistem. O cenário do jornalismo profissional ficou sensivelmente mais complexo, tanto nas empresas de mídia tradicional como nas nascentes organizações e novos arranjos independentes (online), seja pelo fenômeno da precarização do trabalho, quanto pelo advento das organizações do chamado jornalismo independente, bem como a consolidação dos espaços de trabalho fora da mídia. Permanece atual o que escrevemos há quase uma década:
Poucas profissões sofreram tantas metamorfoses, nos últimos vinte anos, quanto a dos jornalistas brasileiros. Transformações estruturais do capitalismo combinaram-se à política de expansão do ensino superior, à redemocratização do país e a mudanças na regulamentação profissional e produziram um ambiente em que se reconfiguraram por inteiro as possibilidades de atuação dos jornalistas. Como resultados, as dimensões da categoria se expandiram exponencialmente, diversificaram-se as áreas de atuação desses profissionais e alteraram-se competências e habilidades deles demandadas (MICK e LIMA, 2013, p. 15).
Dito de outro modo, em sentido convergente, resgatamos o que escreveram os pesquisadores canadenses que investigaram a natureza e transformação do jornalismo, a partir do começo dos anos 2000:
O paradigma jornalístico evolui mais ou menos lentamente, mas mantém uma certa coerência interna que o torna reconhecível para aqueles cuja prática discursiva ele governa ou para aqueles que estudam sua produção. Entretanto, certos elementos de uma configuração relativamente estável podem, em certas épocas, sofrer mutações que acarretam, por sua vez, a adaptação generalizada dos outros elementos e, com o tempo, a metamorfose de toda a configuração (CHARRON e BONVILLE, 2016, p 103).
O desafio de estimar o número nacional de profissionais em atuação permanece idêntico. De início, parte-se do mesmo tipo de dado usado na pesquisa de 2012, que é o quantitativo geral de registros profissionais concedidos pelo Estado, via o antigo ministério do Emprego e Trabalho (MTE) – hoje diluído no superministério da Economia. Um dos passos iniciais deste projeto de pesquisa foi apurar os dados relativos aos últimos 20 anos, para 3 observar alguma flutuação preliminar no número anual de registros.
Tais dados foram obtidos via a antiga Superintendência Regional do Trabalho em Santa Catarina, em contato com a Coordenação de Identificação e Registro Profissional (CIRP/CGCIPE), órgão hoje vinculado ao ministério da Economia. O CIRP nos repassou os dados de registros profissionais de jornalistas (em suas diferentes funções), concedidos a partir de 1969 – ou seja, nos últimos 50 anos.
Em síntese, considerando os dados de registros a partir de 2001 , destacamos:
a) foram concedidos 142.424 registros em duas décadas;
b) verifica-se uma ascensão contínua no número de registros até 2011, quando chegou-se ao pico de 13.230 num só ano;
c) desde então, a tendência foi de queda até 2014, estabilizando-se no patamar médio de 7.500 registros por ano.
Em 2000, registravam-se apenas 500 jornalistas por ano; em cinco anos, chegou-se a 5.000; uma década depois, a 10.000. Portanto, verifica-se uma expansão brutal no número de profissionais, em pouco tempo.
Tal resultado pode ser atribuído aos efeitos da digitalização dos registros e estatísticas do Ministério, implantada no início do século (seria preciso conferir se todos os registros em papel pelas superintendências regionais de fato foram convertidos em anotação digital). Ainda que haja distorções, o desenho é relevante. Para além dos números do Ministério, contudo, ainda é um desafio estimar o universo da categoria, condição para se poder pensar a estratégia de pesquisa e definir um plano amostral para enquete em rede (online survey), com vistas a reproduzir o trabalho de campo realizado oito anos atrás.
Há uma parcela de jornalistas que atua sem registro (25% na última pesquisa), e a listagem dos registrados não é atualizada com a baixa daqueles que desistiram da profissão, se aposentaram ou faleceram. Neste caso, optamos pelo número oficial de Registros Profissionais, ou seja, arredondando para o número exato de 142 mil jornalistas.
Outra fonte preliminar de informação é o número de cursos de jornalismo ou de comunicação social com habilitação em jornalismo, em instituições de ensino superior no Brasil. Em dezembro de 2010, havia 316 cursos para a formação de jornalistas. Há indicações de fechamento de cursos, seja pelo excesso de oferta, pelo encolhimento do mercado tradicional de jornalismo ou ainda pelo movimento de capitais privados no setor de ensino (conglomeração, fusões, aquisições, entre outros).
A variação do número de escolas de jornalismo é relevante porque, no seu conjunto, tais cursos continuam a formar a cada ano alguns milhares de jovens jornalistas, impactando o mercado em fenômeno fora do alcance da capacidade de observação dos sindicatos da categoria e do Estado brasileiro.
Com efeito, permanece relevante o apontamento do projeto de pesquisa formulado há quase 10 anos: “Calcular com maior precisão o total de jornalistas brasileiros é fundamental para a realização de uma série de outras pesquisas destinadas a traçar um perfil desses profissionais. Os jornalistas são uma categoria profissional estratégica para o estudo dos impactos das transformações no modo de produção capitalista sobre o mercado de trabalho (na era da informação)”.
A síntese dos dados obtidos na pesquisa realizada no final de 2012 nos permitia afirmar que os jornalistas brasileiros eram então majoritariamente mulheres (64%), brancas (72%), solteiras, com até 30 anos (59%). Em termos de formação, nove em cada dez eram diplomados em Jornalismo (89%), majoritariamente em instituições de ensino privadas, e quatro em cada dez já tinham cursos de pós-graduação; do total, 98% dos profissionais que atuavam nos segmentos de mídia, fora da mídia e docência tinham formação superior.
Do ponto de vista político, apenas 25% dos profissionais eram sindicalizados; quase metade dos jornalistas (49%) se considerava de esquerda, mas quase um terço (30%) refutava qualquer classificação ideológica e nove em cada dez jornalistas não eram filiados a partidos políticos. (MICK e LIMA, 2013).
O presente projeto de pesquisa tem a perspectiva de atualizar os dados da rodada anterior do estudo, que foram bastante utilizados por pesquisadores e pesquisadoras do campo de conhecimento do Jornalismo nestes últimos anos.
Além disso, o estudo pretende acrescentar dados sobre três temas de enorme importância para a categoria profissional: as dimensões da precarização do trabalho; as condições de saúde da categoria; os efeitos sobre os/as jornalistas das transformações estruturais do jornalismo.